Entrevista exclusiva com Leo Costa para a Revista Ritmo e Melodia, entrevistado por Antonio Carlos da Fonseca Barbosa em 19/08/2020.
Segue reprodução completa da entrevista, para lê-la na fonte acesse www.ritmomelodia.mus.br/entrevistas/leo-costa
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01) Ritmo Melodia: Qual a sua data de nascimento e a sua cidade natal?
Leo Costa: Nasci no dia 14.05.1982 em São Paulo (SP), mas logo com 1 ano de idade mudei para Torrinha (SP) onde vivi até os 17 anos. Registrado como Leonardo Costa Dela Coleta.
02) RM: Fale do seu primeiro contato com a música?
Leo Costa: Existem alguns momentos da minha infância que me lembro claramente como sendo os meus primeiros contatos com o universo de possibilidades da música. Por volta dos 10 anos de idade meu tio (irmão da minha mãe), ator, um dos únicos artistas da família na época, me veio com um papo que eu iria tocar saxofone (risos) e eu não sei de onde ele tirou essa ideia, talvez por me visualizar tocando um instrumento de alguma forma. Nessa ocasião, me deu um walkman de última geração e duas fitas K7: uma do saxofonista Leo Gandelman do disco “Ocidente” (1988) e outra dos Beatles do disco “Help” (1965). Essas fitas K7 eu ouvi muito, mas muito mesmo, e nunca deixava de ser inédito aquele som para mim.
Nessa época eu ainda não tinha contato com nenhum instrumento musical, só essa “ideia” do meu tio de tocar Sax. Por outro lado, meu pai, jornalista, e minha mãe, professora de inglês, sempre ouviram muito vinil de MPB em casa e eu já ficava bem ligado na vitrola nessa época. Mas o contato com o Violão veio mesmo aos 13 anos de idade a partir de meu primo, muito próximo, que já tocava um pouco. Como eu frequentava a sua casa direto e o via tocar foi ali que comecei a experimentar de fato o Violão. A gente tocava Pop e MPB brasileira da época e também o sertanejo que começava a ser bastante pop.
Logo depois, lembro que fui pedir à minha mãe permissão para estudar com um professor da cidade (Torrinha – SP) que era músico da noite e que a garotada admirava muito. Foi ali que comecei os estudos. E o legal é que partiu de mim o pedido. Eram aulas em grupo com meus primos e a gente ia evoluindo muito rápido porque começávamos a devorar música, foi realmente um semestre emocionante em que eu praticamente só pensava nisso o tempo todo. Nessa época, montamos uma banda de amigos e primos e já tocávamos em alguns eventos de escola e pequenas festas. Tanto que, logo depois, acho que aos 14 anos, um amigo do meu pai, violonista, de uma família de prestigiados músicos da cidade, passou o ano novo com a gente e lembro perfeitamente que não tirei o olho um só segundo daquele violão.
Foi algo que realmente me marcou, creio que pelo fato de unir a emoção do violão com as vozes e por trazer na minha “cara” uma estética artística de enorme intensidade que transformou aquele ambiente imediatamente. Depois disso, esse mesmo amigo dos meus pais me deu dois presentes, o famoso livro “Minhas Primeiras Notas Ao Violão” (Othon Rocha Filho) e um apoio de pé para violão dizendo que eu precisava estudar música em Bauru (SP) com o seu irmão, o maestro George Vidal.
03) RM: Qual a sua formação musical e\ou acadêmica fora da área musical?
Leo Costa: Os meus primeiros estudos de Violão foram em Torrinha (SP), por um ano, e logo depois em Bauru (SP), com o maestro George Vidal, por mais três anos. Mudei-me para São Paulo aos 17 anos de idade e estudei com o violonista Ulisses Rocha por mais um ano. Depois, aos 19 anos, fui estudar Psicologia ao mesmo tempo em que estudava na ULM (Universidade Livre de Música atual EMESP Tom Jobim) com Lilian Carmona, Paulo Belinatti e Ulisses Rocha. Nesse período também estudei marimba com o professor Nelson de Franco Gomes. Após me formar em Psicologia, com meu trabalho de conclusão de curso voltado para a área da música, fui me dedicar exclusivamente à arte, seguindo como professor de música, instrumentista e arranjador. Com Cláudio Leal Ferreira estudei arranjo por mais dois anos.
04) RM: Quais as suas influências musicais no passado e no presente. Quais deixaram de ter importância?
Leo Costa: Na pré-adolescência fui muito influenciado pelo Pop Nacional, como Paralamas do Sucesso e Skank, que já faziam um diálogo com a MPB que já me tocava desde sempre: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Chico César, Lenine. Mais adiante Tom Jobim, Milton Nascimento e Egberto Gismonti me abriram mais portas ainda, e até hoje. Outras referências extremamente fortes para mim foram: Guinga, Toninho Horta e Raphael Rabello. É importante falar também da música caipira raiz a qual sempre estive em contato.
05) RM: Quando, como e onde você começou a sua carreira musical?
Leo Costa: Comecei a tocar profissionalmente já aos 16/17 (1998) anos de idade, no interior de São Paulo. Morava em Torrinha (SP) e frequentava muito Bauru, Jaú e Brotas por causa dos estudos e das amizades. Comecei tocando Violão em Bares, Festas e Eventos, sempre acompanhando cantores e cantoras. Fato importante é que a escola de música já incentiva a vida profissional por meio de audições e parcerias. Desse modo, um lugar vai “puxando” o outro e assim começa.
Tocava em Bares, Shoppings, Acampamento Escolar, Festas da cidade, etc. Depois, em São Paulo, lembro-me de perguntar ao Ulisses Rocha de como fazer para entrar nas rodas musicais. A resposta era: vá a elas! Os contatos iam aparecendo junto com os estudos e os primeiros trabalhos profissionais também. Ainda viajava frequentemente para o interior, mas já com o pé firmado na capital. Também comecei a dar aulas de Violão já aos 20 anos (ofício que levo até hoje) ao mesmo tempo em que atuava como violonista. Em São Paulo toquei muito na noite. Aos poucos começaram a surgir convites para gravações e pequenos arranjos. Posso dizer que foi aos 25 anos (2007) que, de fato, assumi a carreira profissional da música como também minha fonte exclusiva de renda.
06) RM: Quantos CDs lançados?
Leo Costa: Meu primeiro disco – “Leo Costa” foi lançado em 2018, que traz composições instrumentais para Violão solo e também em grupo com participações de Rodrigo Digão Braz (bateria), Marcos Paiva (baixo), Muari Vieira (violão), Amina Mezaache (flauta), Marina Santana e Marco Bosco nos efeitos sonoros. Em junho de 2020 lancei o EP – “Amina Mezaache & Leo Costa” com músicas autorais e arranjos instrumentais para Duo de Violão e Flauta. Em meu site www.leocosta.mus.br além das fichas técnicas dos álbuns é possível também acessar outras gravações que não foram distribuídas digitalmente como o Duo “Muari Vieira & Leo Costa” (2015) e “Quarteto Garatuja” (2012) com obras autorais também.
Uma música muito importante para mim e que o público sempre gosta: “Mar, Maré”, que compus aos 17 anos de idade e que ainda quero registrar em um próximo álbum. A música “Balada”, do meu primeiro álbum, também me faz receber bastante retorno do público, talvez por trazer movimentos e intensidades com bastante contraste, como se contasse uma história.
07) RM: Como você define seu estilo musical?
Leo Costa: Meu estilo musical é muito ligado à criação, mesmo quando estou arranjando ou acompanhando estou sempre pensando nos coloridos que podem melhor representar o que busco como sensação e estética. Geralmente pesquiso muito a riqueza de detalhes da Harmonia e o diálogo da Música Popular e Instrumental Brasileiras com as texturas do Erudito e Jazz. Costumo definir como Violão brasileiro, ou instrumental brasileiro, mas sempre no diálogo com a canção.
08) RM: Você estudou técnica vocal?
Leo Costa: Estudei pouco, mais no sentido de solfejos e percepção. Não sou um intérprete, mas trabalho muito com intérpretes em arranjos e produções.
09) RM: Qual a importância do estudo de técnica vocal e cuidado com a voz?
Leo Costa: Fundamental. Mas se for acompanhada de estudos de percepção e harmonia, ampliando a percepção musical global e fazendo toda a diferença para interagir com outros músicos. A técnica, o estudo técnico, não se resume a movimentos de coordenação e articulação. Eu demorei para aprender que tudo é estudo, no momento em que você se dispõe a refletir sobre. Os caminhos da Harmonia, do Ritmo, do Timbre, os dedilhados, digitações, etc. estão todos sempre relacionados e, portanto, nunca acontecem isolados. Nesse sentido, o estudo “técnico” sempre é um estudo da expressão musical, pois busca uma prática unificada.
10) RM: Quais as cantoras(es) que você admira?
Leo Costa: Costumo gostar mais dos cantores e cantoras que são compositores também, além de intérpretes. Gosto de ouvir o próprio compositor cantando ou executando suas obras, pois tem ali várias camadas de sentido. Posso dar como exemplo Milton Nascimento, Gilberto Gil, Joyce, mas também instrumentistas como Esperanza Spalding, Toninho Horta e Dominguinhos. Por outro lado, intérpretes como Mônica Salmaso, Gal Costa, Renato Braz e Nana Caymmi “desmontam” essa minha teoria (risos).
11) RM: Como é o seu processo de compor?
Leo Costa: Costumo iniciar as composições com bastante espontaneidade, geralmente em um momento mais introspectivo, que pode ser mais reflexivo ou de comemoração. O tema surge; pode ser um tema melódico ou uma progressão harmônica e fico atraído por ele e o repetindo até que naturalmente surjam ramificações ou evoluções da ideia inicial, sempre ao Violão, mas eventualmente com voz também. Sempre sinto que os temas traduzem um pouco do momento que estou vivendo, das emoções e sensações presentes, porém em uma estética sem as palavras. Em maio de 2020 compus um tema curto ao Violão que para mim faz referência ao complexo momento da quarentena por conta do novo corona vírus, está lá no meu instagram.
A música “Brimstone” que está no meu primeiro álbum, por exemplo, foi composta imediatamente depois de assistir ao filme homônimo Brimstone. No Brasil o título do filme ficou adaptado como “Amaldiçoada”, que significa ‘enxofre’ em inglês. O filme traz aspectos muito conflitantes e violentos de construção de poder em uma sociedade do século XIX que perpassa três gerações de mulheres até chegar em a uma certa calmaria – mas marcada por extrema violência e pressão. Toda essa saga e sentimento acabou sendo expresso nesta música, de alguma forma, como se pudesse ser um modo de curar e reconhecer todo aquele sofrimento sentido.
“Valsa pra Lila”, do mesmo álbum, foi em homenagem à filha de um casal querido em um momento de conexão com a infância e seus inéditos descobrimentos. “Eu Quero Ir Pra Lá Mas Eu Não Posso” foi em parceria com Marina Santana em um desafio de fazer uma música que não fosse em “lá”, que acabou indo para o tom de “lá” somente no refrão e que, ao mesmo tempo, guarda em seu título o conflito com os desejos e a impossibilidade.
12) RM: Quais são seus principais parceiros de composição?
Leo Costa: Diferente de amigos e amigas cancioneiros que costumam desaguar bastante em parcerias tenho mais parceiros que estão ligados aos projetos em que toco ou produzo como: Álvaro Cueva, Léo Nogueira, Muari Vieira, Alexandre Cueva, Marina Santana e Augusto Teixeira.
13) RM: Quem já gravou as suas músicas?
Leo Costa: No segundo semestre de 2020 lancei o disco “Um Mundo Em Nós” em que minha música “Balada do Amor Clichê”, em parceria com Álvaro Cueva e Léo Nogueira, será interpretada por Augusto Teixeira e Juca Novaes. Também pretendo lançar em 2020 o disco “Correnteza” com a cantora e compositora Marina Santana que interpreta nossas canções.
Em meu disco “Leo Costa” (2018) e em “Amina Mezaache & Leo Costa” (2020) a flautista francesa Amina Mezaache interpreta algumas composições minhas e vice-versa. Ampliando o espectro tenho também arranjos gravados para músicas de outros compositores como nos discos “Estação Felicidade” de Augusto Teixeira e “Tempos de Canção” de Álvaro Cueva. Nesse sentido, o ofício de arranjador/produtor e compositor se interligam.
14) RM: Quais os prós e contras de desenvolver uma carreira musical de forma independente?
Leo Costa: A liberdade de poder criar, produzir e focar no que você gosta sempre foi o meu objetivo principal. Combinar isso com a sustentabilidade da carreira como um todo é o grande equilíbrio. O artista criador, ao meu ver, sempre precisará ser independente para poder escolher a melhor forma de mostrar sua obra. Em alguns casos encontrará parcerias que irão se somar, mas obviamente para isso necessita, antes, de uma estrutura independente já funcionando que envolve a comunicação, pré-produção, produção, financiamento, etc.
Na realidade, o artista, atualmente, mesmo sendo vinculado à alguma produtora ou instituição sempre terá que ter fortalecido o seu espaço independente se quiser trilhar seu próprio caminho. Sendo um grupo, ou coletivo, o caminho independente já é o novo cenário contemporâneo da música. É uma questão de como lidamos com o trabalho em nossa sociedade atual, as terceirizações e empreendedorismos. Os contras estão relacionados a isso, ao que se chama de “uberização da música”.
Os artistas empreendedores têm pouco ou nenhum resguardo em suas relações de trabalho, cabendo todos os ônus e bônus somente a eles. Na França tenta-se já há alguns anos a inserção dos artistas em uma categoria de trabalho chamada “intermitentes” que teriam garantidos certos resguardos mínimos e alguns direitos básicos para esses trabalhadores da cultura. A falta de uma regulação mais séria dos direitos dos artistas acaba gerando questões que estão além do poder individual como a forma arbitrária de monetização e pagamento das obras nas plataformas digitais de streaming (Spotify, YouTube, etc) e também a total desregulamentação nos valores e preços do mercado de trabalho dos artistas independentes. Gerando, nesse último caso, a precarização do trabalho artístico.
15) RM: Quais as estratégias de planejamento da sua carreira dentro e fora do palco?
Leo Costa: Ao longo desses já quase 20 anos de música fui aprendendo a definir melhor os ramos de atuação que trilhava e também os seus diferentes prazos e etapas. Hoje tenho três grandes atividades contínuas que são: instrumentista/compositor, arranjador/produtor e professor/oficineiro. Digo isso, pois cada uma delas exige estratégias de planejamento mais específicas.
Como instrumentista e compositor tento estar em dia com os estudos e fomentar projetos pessoais, ou em parceria, o que geralmente exige mais investimento financeiro pessoal e que é financiado pelas outras áreas. Por exemplo, para lançar um novo álbum (da pré-produção à arte da capa), fazer um show, dedicar tempo aos ensaios e planejamentos e até mesmo comprar cordas de violão. Nesse ponto, a organização e empenho depende muito de mim pois todas as funções são atribuídas a mim mesmo.
Quando estou produzindo para outras pessoas, seja álbuns, EPs, singles ou mesmo uma consultoria para levantar repertório, os prazos são definidos conjuntamente e a organização é compartilhada. Em 2019 investi recursos em meu Home Studio e comecei também a não só pré-produzir, mas também a produzir gravações por conta própria. Essa foi uma estratégia que uniu algo que eu já queria com mais uma frente de trabalho. Nesse sentido o Leo educador-professor também é beneficiado pois pode complementar as aulas e oficinas com tecnologia/gravações etc. Fato que aliás me ajudou muito nesse período da pandemia causada pelo novo corona vírus.
Mas também queria falar de algo ainda mais basal que tem a ver com a carreira que são as relações profissionais bem cuidadas e o prazer da música. Acho fundamental para os trabalhos acontecerem o compromisso de cuidar do começo, do meio e do fim. Muita gente esquece de cuidar da finalização e também de poder prestigiar os colegas. O músico basicamente vive o tempo todo a música, mas nem sempre tudo está ligado a estratégias. Ir a shows dos amigos, de novos músicos, poder compartilhar e celebrar conjuntamente em encontros e saraus são coisas tão importantes quanto os planejamentos e acabam tendo um efeito consequente de troca que é a base de onde tudo começa.
16) RM: Quais as ações empreendedoras que você pratica para desenvolver a sua carreira?
Leo Costa: Em 2009 fui um dos diretores e professor de Violão da Orquestra Multivozes em Pilar do Sul (SP), a convite do Francisco Andrade, e estávamos ligados ao grande projeto dos Pontos de Cultura do Brasil. Ali foi onde comecei a ampliar a minha visão coletiva e empreendedora. Tanto, que depois, em 2010, levei a ideia para minha cidade natal Torrinha (SP) e conseguimos montar lá o Ponto de Cultura de Torrinha que criou uma luthieria e uma Orquestra de Viola Caipira que permanece até hoje.
No mesmo período, me uni com o violonista Muari Vieira, em São Paulo, para montarmos um coletivo de violonistas chamado Comboio de Cordas, que contou com figuras importantes da cena paulistana do Violão como Zé Barbeiro e Ítalo Peron, mas também jovens violonistas como nós que começávamos nossas carreiras. O projeto acontecia semanalmente na Vila Madalena em parceria com a Escola Maximiliano e o ONG Cidade Escola Aprendiz e durou cinco anos, foram mais de 80 shows de Violão. Depois seguimos fora da escola realizando Festivais próprios com um coletivo de coletivos chamado TDV (Coletivos Teatro da Vila) que unia o Comboio de Cordas, o Movimento Elefantes (BigBands), Kolombolo Diá Piratininga (Samba Paulista) e Associação Raso da Catarina (Cultura Popular).
Nessa época, ganhamos o prêmio Funarte de Música e dois prêmios PROAC do Estado de São Paulo para realizar nossas atividades que, além de shows, envolviam oficinas e festivais. Creio que esses projetos e parcerias têm em comum a vontade de juntar as forças, de somar, deixando de lado alguma possível ideia de “competição” que possa existir (pela escassez de oportunidades que vivemos) e abrindo as frentes de trabalho com as próprias mãos, juntando públicos e ideias. Outro coletivo importante, nesse sentido, foi o Clube Caiubi de Compositores, o qual mantenho frequência regular. Tendo a falar do empreendedorismo mais pelo viés coletivo, mas, ao pensar individualmente, minha carreira como artista independente também é inteiramente empreendedora sendo que eu sou a minha empresa, literalmente, e os diferentes papéis se confundem, querendo ou não.
17) RM: O que a internet ajuda e prejudica no desenvolvimento de sua carreira?
Leo Costa: A interconexão que a internet proporciona é com certeza algo sem precedentes na história. É inegável que hoje temos todos os acervos musicais e literários disponíveis os quais antes eram muito raros e inacessíveis. Imagina você ter acesso a um disco específico na década de 80/90? Era um privilégio, assim como a métodos, vídeos, contatos, etc. Nesse sentido, hoje temos esse acesso democrático e cada vez mais amplo aos conteúdos tanto do lado de quem produz como de quem consome. Ao mesmo tempo a grande questão, novamente, é o controle de dados e financeiro estar nas mãos das grandes empresas digitais sem podermos ter muito controle sobre isso. Essa é uma questão não só da música, claro. E não digo isso de forma a negar esse modo, pelo contrário, estou em todos os canais de streaming e distribuo meus discos por distribuidoras etc. mas essa ainda é uma questão que o artista independente tem que levar em conta como consciência de que não é tão independente assim.
Ao mesmo tempo, nesse sentido, existem empresas, como a brasileira Playax, que fazem o caminho oposto. Usam de toda a informação disponível na internet sobre você e seus fonogramas para te beneficiar. De forma legal, rastreiam os dados para te dar uma perspectiva mundial do alcance da sua música. Vendo por este ângulo, é mais um benefício incalculável da internet para a carreira do músico – ter acesso à um mapa global de cada lugar em que sua música foi reproduzida até mesmo em rádio e tv, sendo que tudo é digital e, portanto, rastreável, inclusive para os direitos autorais.
18) RM: Quais as vantagens e desvantagens do acesso à tecnologia de gravação (home estúdio)?
Leo Costa: O home estúdio é hoje algo praticamente inevitável para qualquer músico (o instrumentista, o professor, o produtor ou mesmo o estudante), seja pela necessidade de se comunicar digitalmente ou por ter mais controle e consciência da qualidade do som que você faz, que em última instância será reproduzido digitalmente. Não é algo simples, pois exige que o músico tenha mais noção das ferramentas básicas de áudio e suas principais variáveis desde a qualidade dos equipamentos físicos (fones, monitores, cabos, interfaces, computador) até o processamento virtual do áudio nos softwares e suas influências. Em certo sentido, é pedir demais que saibamos tudo, visto que os técnicos e engenheiros de áudio são os que estudaram anos para isso. Mas é fundamental que compreendamos o básico desse universo pois teremos que tomar decisões importantes senão estaremos às cegas. Assim, a vantagem é que você se torna um músico mais consciente e que cuida melhor do seu som, mas a ‘desvantagem’ é que não é algo simples, precisa de muito estudo e dedicação e claro, investimento financeiro.
19) RM: No passado a grande dificuldade era gravar um disco e desenvolver evolutivamente a carreira. Hoje gravar um disco não é mais o grande obstáculo. Mas, a concorrência de mercado se tornou o grande desafio. O que você faz efetivamente para se diferenciar dentro do seu nicho musical?
Leo Costa: Pois é, vejo que as formas de divulgação do disco estão completamente mais democráticas que antes, isso é ótimo! A concorrência é algo burro, em última instância, pois você não tem que ser melhor ou pior que ninguém, tem que ser você. Agora, se existem muitos trabalhos “parecidos” com o seu, que bom, é o caso de unir esse público e se beneficiar dessas trocas, fazer festivais, produções e encontros nesse sentido, porque não? É melhor que tenham mais pessoas se comunicando na mesma linguagem que você, nesse caso.
A questão é que, se formos pensar financeiramente, a carreira de artista independente não se sustenta nas vendas de fonogramas ou plays de áudio. O mais importante é a divulgação do seu conteúdo. E isso temos hoje em dia, mais do que nunca. Então o problema da divulgação está resolvido. Mas quanto ao disco, à produção e à gravação, não vejo grande diferença no método, a não ser pela pré-produção, que melhorou muito com a tecnologia. Apesar disso, para se ter qualidade o caminho continua sendo o mesmo: muita dedicação na produção e na qualidade da equipe e dos equipamentos. Dado que sempre estamos buscando mais qualidade em todos os sentidos.
O que acontece é que existe muita produção com qualidade reduzida, seja pela ansiedade de lançar algo prematuro ou somente porque podemos lançar sem intermediários. Por isso, creio que lutar para se destacar não é a questão – o ponto é fazer o seu melhor, dentro do que você quer alcançar como arte, e buscar quem esteja interessado nela – ou fazer quem esteja interessado nela conseguir te buscar. É continuar fazendo o que você já faz com a maior qualidade possível.
20) RM: Como você analisa o cenário da música brasileira. Em sua opinião quem foram às revelações musicais nas duas últimas décadas e quem permaneceu com obras consistentes e quem regrediu?
Leo Costa: A música brasileira, como um todo, é algo extremamente gigantesco. Mesmo o país se comunicando, atualmente, muito mais do que antes, ainda trocamos pouco, na minha opinião, a musicalidade produzida em cada região. Ao mesmo tempo, no entanto, existe uma maior consciência local de cada musicalidade que passa a ser mais valorizada pelo fato dos artistas independentes poderem se auto divulgar.
Nesse sentido, falar do cenário da música brasileira é falar de recortes e nichos, sendo que eu faço parte de um deles, o do nicho dos violonistas, ou dos produtores independentes, ou mesmo o da canção independente paulista, etc. Certo dia desses, fui ouvir, por indicação de um amigo que morou em Manaus (AM), a Orquestra de Beiradão do Amazonas, que é algo extremamente brasileiro, mas muito diferente do que costumamos tocar aqui no Sudoeste. Imediatamente pensei o quanto somos ignorantes da nossa própria musicalidade ainda nos dias de hoje.
A música de entretenimento de massas tenta, nos dias de hoje, “juntar” essas regionalidades brasileiras em um único lugar, produzindo músicas muito bem arquitetadas para agradar a todos os gêneros, mas acaba sendo um “Frankstein”, não necessariamente autêntico, de um encontro regional. Muitas vezes é voltado a reagir ao que vende mais. Não necessariamente sou contra à música estritamente comercial, mas entendo que ela não aponta para a pesquisa ou para a fruição artística. E é dessa última música brasileira que quero falar.
Artistas que admiro muito e que seguem uma carreira consistente nessa última década como a grande intérprete Mônica Salmaso, o precioso violonista paulistano Daniel Murray, a criativa Vanessa Moreno e o raro compositor carioca Thiago Amud são exemplos que posso citar. Ao mesmo tempo admiro artistas de carreira mais longa e que seguem extremamente ativos e criativos como Hermeto Pascoal, Toninho Horta, Milton Nascimento, Chico Buarque, Chico César, Guinga, Ceumar e Ná Ozzetti.
21) RM: Quais os músicos já conhecidos do público que você tem como exemplo de profissionalismo e qualidade artística?
Leo Costa: Nesse caso, seriam muitos a citar. Tentarei resumir dois deles: o internacionalmente reconhecido arranjador e compositor carioca Gilson Peranzzeta e a cantora paulistana Mônica Salmaso.
22) RM: Quais as situações mais inusitadas aconteceram na sua carreira musical (falta de condição técnica para show, brigas, gafes, show em ambiente ou público tosco, cantar e não receber, ser cantado e etc)?
Leo Costa: Eu comecei a tocar profissionalmente em Bares, eventos e pequenos shows, mas principalmente Bares, e claro que acontecem muitos imprevistos e ruídos de comunicação na relação dos donos de estabelecimento com os músicos, principalmente, na época em que a OMB (Ordem dos Músicos do Brasil) fazia o ridículo papel de fiscalização nesses Bares. Em Bauru (SP), na década de 90, me lembro muito bem de não podermos tocar uma noite pois não tínhamos a autorização da OMB, em última instância, pagamos para tocar, ao invés de ter as “garantias” que eles diziam prezar.
Em São Paulo, já aconteceu de chegar a um famoso Bar do centro da cidade e voltar para trás, pois o estabelecimento tinha confundido as datas e marcou dois eventos no mesmo dia – detalhe: não me pagou.
Outra coisa muito comum em shows é a sensível relação dos músicos com os técnicos de som. Em um grande Festival Nacional lembro de um dos integrantes da banda que eu tocava ter uma discussão com um dos técnicos por causa de uma regra boba de como subir no palco. Aquilo completamente estressante e sem motivo, era só uma questão de poder. Óbvio que são casos raros, mas é bom a gente se atentar para essas relações, principalmente antes dos shows (risos).
Por outro lado, também acontecem coisas inusitadas e muito boas como tocar para 3 pessoas num teatro e ser um dos shows mais intensos. Ou quando fui tocar em Palmas (TO), com meu parceiro Augusto Teixeira: saímos de São Paulo no mesmo dia do show bem cedinho e acreditem. Perdemos o voo, mas por culpa do raio-x do aeroporto, que demorou 1:30 e realmente estava um caos aquele dia. Tivemos que brigar com a cia. aérea e mesmo assim não conseguiram resolver o nosso problema. Então fomos obrigados a comprar outra passagem por outra companhia e conseguimos chegar com uma hora de antecedência para show em Palmas. Espantosamente acabou sendo um dos melhores shows que fizemos, com muito afeto e carinho de todos.
23) RM: O que lhe deixa mais feliz e mais triste na carreira musical?
Leo Costa: Minha maior felicidade é viver fazendo música. O que não é nada fácil mas te leva a ser muito organizado e independente. E ao longo do caminho construir amizades fortes para a vida.
As dificuldades são as velhas conhecidas, a histórica desvalorização da profissão por parte de grande parte da população e consequentemente do sistema político e os percalços financeiros relacionados a diversos fatores. Mas que mais uma vez acabam sendo impulsão para nossa arte, consciência dos mecanismos e empoderamento, além de tudo.
24) RM: Nos apresente a cena musical da cidade que você mora?
Leo Costa: São Paulo é a cidade mais cosmopolita do país e isso se reflete tanto na culinária como na música, e não por acaso estão extremamente relacionadas por serem pilares da cultura de qualquer nação. A cena musical paulistana é enorme e composta de vários nichos culturais.
No que se refere à cena autoral e instrumental já estivemos melhores aqui na capital. De uns anos pra cá, temos visto muitos estabelecimentos fecharem e também o fomento à arte e cultura na cidade ir caindo cada vez mais. Isso é visível em todas as áreas como teatro, dança, artes visuais, etc. Mas ainda assim, lugares independentes como o Bar do Julinho, Ó do Borogodó, Jazz nos Fundos, Jazz B, Os Capoeira, Cachuera, Casa do Núcleo, Teatro de Utopias e outros tantos pequenos estabelecimentos são exemplos para a música autoral e instrumental na cidade.
As principais cenas independentes ao meu ver são: a canção autoral, o choro, a música instrumental, o Rap, o HipHop, o Slam e as manifestações culturais tradicionais como capoeira e forró.
25) RM: Quais os músicos, bandas da cidade que você mora, que você indica como uma boa opção?
Leo Costa: Olha, é uma pergunta que eu responderia mais fácil se eu morasse em uma cidade com menos de 100.000 habitantes (risos). Em São Paulo é algo quase pode ser redutível citar porque posso fechar demais os círculos. Por isso, primeiro vou indicar coletivos que são uma forma de achar mais pessoas: o Clube do Choro de São Paulo, o Movimento Elefantes (bigbands) as quartas instrumentais no Bar do Julinho (Vila Madalena), a programação do Nossa Casa (Vila Madalena), Jazz B (Centro) e os pequenos teatros em geral como o Teatro de Utopias ou o Teatro da Rotina. E também aconselho acompanhar os artistas independentes da cena instrumental e autoral da cidade, nos meus trabalhos sempre estão presentes muitos desses artistas.
26) RM: Você acredita que sem o pagamento do jabá as suas músicas tocarão nas rádios?
Leo Costa: Sim, assim como já tocaram, mas não tanto pois são poucos os espaços para o artista independente. Não faz mais sentido essa relação voltada para a curadoria comercial do rádio para a música que faço. As rádios que fazem sentido são também as rádios independentes ou as rádios universitárias que mantém certa independência na programação ainda. Do mais, a lógica do jabá permanece sempre que houver curadoria comercial e não artística. Porém na internet você aparece e pode se divulgar usando as ferramentas pagas, ainda com a diferença ética de não utilizar uma concessão pública para operar, como nas rádios.
Se pensarmos no novo cenário de veiculação, os streamings, é você quem controla o que ouve (em parte), e é o público quem paga para ouvir direta ou indiretamente. Este cenário obviamente precisa melhorar, mas já é mais equilibrado do que era nas rádios, pois tudo torna-se rastreável. O que muda é que você agora precisa entender os algoritmos ao invés de entender o perfil da rádio. O que abre de novo a questão da curadoria, mas agora realizada pelas playlists.
27) RM: O que você diz para alguém que quer trilhar uma carreira musical?
Leo Costa: A música, em qualquer instância, instrumentistas, cantores, produtores, professores, técnicos, engenheiros de áudio, roadies, etc, necessita de empenho a longo prazo. É o mais importante. A paciência de esperar os amadurecimentos também é fundamental, cada um tem o seu ritmo e precisa cuidar dele. Não adianta querer comparar ou criar uma imagem porque a música é algo que se faz no tempo. Tanto na audição de uma faixa quanto na vivência da música é o tempo que dá o sentido do caminho. Portanto siga o seu caminho com calma. Faça as pesquisas e os estudos prolongados e tenha prazer com o que construir. Muitas vezes ouvir é mais essencial que tocar.
28) RM: Quais os prós e contras do Festival de Música?
Leo Costa: Já toquei bastante em Festivais de Competição, principalmente acompanhando outros artistas, e a questão é uma só: a competição mata a música, pois inevitavelmente, mesmo na melhor das vontades, gera a sensação de concorrência sobre a obra artística, o que não acho nada saudável. Você poderia usar a mesma verba de um Festival de concorrência que cinco pessoas irão ser muito bem remuneradas para remunerar bem 30 artistas em seus shows, sem concorrência, e ainda promover uma grande mostra na cidade, incluindo oficinas e debates.
Gosto mais dos Festivais que valorizam pequenas apresentações ou trazem o formato de Mostra. Esses sim são artisticamente mais ricos e geram mais engajamento dos músicos e público. O Festival de Ilha Bela, o Festival De Jericoacoara, Paraty ou o Botucantu, são exemplos disso.
29) RM:Hoje os Festivais de Música revelam novos talentos?
Leo Costa: Sim, acho que ainda cumprem esse papel, mas mais no sentido de serem um palco para apresentação, já que os ambientes para a música autoral estão bem escassos. Por isso mesmo, sinto falta de os Festivais terem mais zelo e investimento na divulgação dos artistas. Nunca soube de um Festival de Canção que propusesse que artistas selecionados compusessem uma música juntos ou se apresentassem conjuntamente, por exemplo. Sinto falta de ações mais agregadoras e artisticamente mais ricas nesses ambientes.
30) RM: Como você analisa a cobertura feita pela mídia da cena musical brasileira?
Leo Costa: Não sei se consigo analisar este cenário satisfatoriamente, o que chamávamos de mídia tempos atrás (jornais, revistas, tv e rádio) já não tem exatamente a mesma função. As redes sociais hoje fazem mais o papel da disseminação. O que seria a assessoria de imprensa antigamente hoje é uma função de algo como um administrador digital de carreira, que geralmente é o próprio artista, que se utiliza das ferramentas pagas das redes para disseminar sua arte. Creio que a imprensa ainda tem um importante papel de crítica e de análise artística assim como os Blogs e resenhas.
31) RM: Qual a sua opinião sobre o espaço aberto pelo SESC, SESI e Itaú Cultural para cena musical?
Leo Costa: Os espaços do sistema “S” assim como os centros culturais de grandes instituições como Banco do Brasil, Itaú, Caixa e os Centro Culturais públicos são de extrema importância para a cena musical de qualquer cidade. O artista tem o seu público e consegue garantir a divulgação, mas quase nunca a estrutura e a logística, principalmente na cena independente, e uma parceria com essas instituições garante que a cena possa existir de modo frequente e vivo. O ponto que merece atenção é sempre a curadoria e a forma de selecionar, que nos casos privados não temos muito o que fazer, mas nas instituições públicas podemos estar sempre cobrando uma seleção mais transparente e justa. A melhor situação sempre é aquela em que é bom para todos, público, artistas e contratantes.
32) RM: O circuito de Bar na sua cidade é uma boa opção de trabalho para os músicos?
Leo Costa: Em algum momento do passado já foi uma área de atuação com mais estabilidade. O grande problema é que o músico não tem teto de pagamento mínimo, por exemplo como os dubladores que se uniram em um sindicato que os representa, de fato. Outra questão é que restaram poucos Bares dedicados à música acústica, e os poucos que existem ainda pagam um cachê no mesmo valor de 10 anos atrás. Os eventos particulares, nesse sentido, são uma realidade mais comum. Vejo um desinteresse público muito grande em incentivar pequenos estabelecimentos e pequenos shows de música ao vivo. Havia, em São Paulo, uma liga das pequenas casas de show chamada P-10 que buscava se ajudar e se organizar em um coletivo, mas creio que não conseguiu se manter. Outro exemplo são as leis que tentaram ser implementadas de isenção de IPTU para pequenos teatros e casas de shows. Mas isso carece de uma ação pública, não dá pra jogar a conta toda nos donos de bares e nos artistas.
33) RM: Quais os seus projetos futuros?
Leo Costa: Tenho dois trabalhos em fase de produção “Correnteza”, que traz músicas autorais minhas e de Marina Santana e “Um Mundo Em Nós”, em parceria com Augusto Teixeira, que traz músicas do letrista Léo Nogueira com diversos parceiros e parceiras. Ambos devem ser lançados no segundo semestre de 2020. Outro projeto que sigo investindo são as produções para terceiros em meu home estúdio e as aulas e oficinas de música e violão que mantenho ativas há vários anos e continuarei. Tenho vontade também de gravar um segundo disco autoral de canções em parcerias diversas e também de lançar um terceiro disco instrumental.
34) RM: Leo Costa, Quais seus contatos para show e para os fãs?
Leo Costa: Em www.leocosta.mus.br se encontram todos os meus trabalhos e os links para contatos.